sábado, 22 de agosto de 2009

COMO COMER UM PRATO DE MACARRÃO

Crônica por Alexandre Piccolo

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hummmm…!

Macarrão sempre me foi um prazer e um tormento. Prazer porque figura entre os pratos mais saborosos, variados, versáteis e universais da temperada culinária brasileira ? difícil encontrar quem não goste do tradicional spagetti à bolonhesa, da acensorista nordestina em Porto Alegre ao reitor de Universidade Federal de Rondônia. Mas também um tormento. Calorias à parte, nem sempre é fácil apreciar o prato, com bom modos à mesa, sem os inevitáveis respingos de molho ao enrolar dos fios mais compridos ? especialmente quando já passa das duas da tarde e a última e única refeição aconteceu na véspera, algo entre duas ou três bolachas de água e sal com azeite para curar a ressaca. Logo, à mesa, o melhor conselho é infantil mas válido: encarar publicamente o babadouro e a glutonice e fruir como criança o manjar à frente. A barba se lava depois da barriga cheia.

O prato, ainda que tenha sofrido evoluções dos chineses para os italianos e destes para nós, continua delicioso e impecável. Seja o refinado penne ao funghi, normalmente muito bem acompanhado com frango ou peixe grelhados, seja o cremoso farfale à parisiense, delicioso com um bom vinho branco gelado ? todos sempre acompanhados de queijo parmesão ralado ?, qualquer receita de macarrão agradará como um prato completo, nutritivo e especial, ao menos enquanto o McDonald?s não padronizá-lo em promoções de 1 a n. Uma boa macarronada une na porção e medida exatas carboidratos cozidos al dente a ervas bem temperadas, azeitonas verdes e pretas, alcaparras, molhos claros e escuros e outros complementos exóticos, da uva passa ou pêssego ao frango desfiado ou presunto em cubinho, impossíveis de não combinarem com perfeição com uma massa de tão variados tamanhos, cores, odores e formatos. Como diz um amigo, "até quando é ruim é bom". Do grano duro à massa com ovos, a simples versatilidade dá água na boca. O prato pronto, hummmm!

Um grande levante universitário defende a integração do macarrão instantâneo, vulgamente denominado miojo, ao secular e pomposo mundo do macarrão. A questão tornou-se polêmica nos últimos meses, mas sinceramente não passa de uma grande bobagem - assemelha-se ao grupo de ciclistas sexagenários holandeses que queria fazer parte do clube do automóvel inglês, por preciosismo ou revanche das duas rodas. Violentos protestos por todo o mundo, liderados pela associação internacional dos amantes do macarrão, mostraram revolta e rejeição diante da proposta que tramita entre gourmets e chefs. Donos de restaurantes, aliados ao movimento "Comida com sabor não é isopor", alegam que praticidade não implica perda de aroma, visual, paladar ou identidade do prato, qualidades que a comida instantânea definitivamente não possui. E exemplificam dizendo que, mesmo o alho e óleo, tão simples e prático, é mais vistoso, cheiroso e saboroso que qualquer macarrão instantâneo de bacon com ervilha. Calculem o tamanho do tormento sócio-político que é trocar o miojo com tempero em pó colorido por uma boa e bem preparada pasta. Uma verdadeira celeuma.

Da problema global ao pessoal, em dia de macarronada bolonhesa, por uma atração cósmica inexplicável entre limpeza e sujeira, sempre estou vestindo aquela camisa branca reluzente, impecável até então, pronta para receber o marcante respingo de molho vermelho, o qual só sairá com algum produto tão forte que inevitavelmente deixará uma mancha circular gigantesca do desbotado. Mas vale o risco, o prazer, o tormento e a camisa. Um dia ainda aprendo a me comportar como… ops!, espirrou de novo!

da série Manual de Uso e Instrução


Titulo:Como comer um prato de macarrão

Autor:Alexandre Piccolo

Gênero:Crônica

Data de publicação:9 dejunho de 2003

Um comentário:

  1. Um dos melhores restaurantes de Juiz de Fora. Não fica devendo nada aos grandes restaurantes do ramo.

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